O Judiciário não Investiga

Acompanha-se pelos meios de comunicação que o Poder Judiciário deve investigar os fatos delituosos, que vai investigar ou que determinado fato vai ser apurado a fundo, por ele.

            Reclama-se, por vezes, que o judiciário é ou foi omisso em determinado fato. Na verdade, confundem-se, o Poder Judiciário não é omisso, mas sim, inerte, posto que só se manifesta ou deve se manifestar quando acionado. A nossa Constituição assim o quis, e assim deve ser. Pouco importa como é nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar do mundo. São sistemas judiciais/processuais diferentes. Em determinados sistemas, o juiz até investiga, mas não julga.

            O nosso sistema é o acusatório, no qual o Ministério Público propõe as demandas penais e o Judiciário julga, através do devido processo legal. Este devido processo é meio pelo qual o Estado, através do Ministério Público, busca a aplicação das sanções penais, mas, é certo afirmar, que também é meio pelo qual se efetiva as garantias e os direitos constitucionais, esculpidos no artigo 5° da Carta Magna, principalmente. Isto é, o processo penal é um instrumento de garantia do acusado, que se vale do juiz para que aplique, nos casos concretos, estas garantias e direitos. São essas garantias que trazem uma paridade processual, quando o Estado acusa alguém pela prática de uma infração penal. Em outras palavras, se o acusado não tiver essas garantais, não terá como se proteger da pretensão estatal de condená-lo, pois será o Estado contra aquele único indivíduo, sem qualquer meio de defesa.

            O juiz, por sua vez, não deve antecipar-se ao seu acionamento, ter acesso a qualquer elemento probatório, antes do início do processo, pois uma das principais garantias, em qualquer processo, é de que o juiz seja imparcial. Se o juiz tem acesso antecipado a qualquer elemento probatório, questiona-se a sua imparcialidade, podendo passar a ser um juiz suspeito, tornando-o impossibilitado de julgar. Isto ocorre, porque ao ter contato ou, principalmente, produzindo qualquer prova, há uma antecipação da sua convicção, que somente deve ocorrer ao final do processo. 

            O Ministério Público representa a vontade do Estado, que quando ocorre uma infração penal deseja a punição do seu agente. O juiz, como já afirmado, de forma imparcial aguarda a denúncia e passa a julgar o caso com as provas obtidas no processo. Esta exigência faz parte de nosso sistema processual, previsto pela própria Constituição, através do Princípio do Contraditório. As provas devem ser produzidas pelas partes e passarem por elas, durante a fase processual, sob pena de invalidade.

            A própria Constituição da República, e não o Código de Processo Penal, fixou as atribuições estatais para investigação penal, assim; cabe à polícia judiciária a investigação das infrações penais, através do inquérito policial, e ao Ministério Público, privativamente, iniciar as ações penais públicas e fiscalizar a atividade policial. Ao juiz cabe julgar, “simplesmente” julgar, nunca investigar. Para os juizes inúmeras garantias os cercam (inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos, entre outras), com o intuito de manterem-se imparciais.

            Por isso, é que o juiz não investiga e nem deve passar a investigar. O magistrado só saberá quem tem razão, autor ou réu, no final de um processo justo, sem interferências externas ou conclusões antecipadas e com a rigorosa aplicação da Constituição.   

Raphael Mattos é advogado e Membro Efetivo do TRE/RJ

(Jornal O Globo – 31.out.2003) 

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