A população do Rio de Janeiro se acostumou de tal forma à barbárie que perdeu a capacidade de estranhar um fenômeno singular: convivemos com fuzis em nosso cotidiano como se fosse normal. Roubam-se padarias de fuzil em punho, roubam-se carros usando-se fuzis… A polícia, para estar em pé de igualdade, se arma de fuzis. Cidades de veraneio já recebem os fuzis, como forma de proteção de território e de combate contra as forças policiais. A banalização de seu uso é gritante. Mas tratamos do assunto como se fosse normal. Não atentamos para o fato como ele é: são armas de guerra. Seu uso, mais do que crime, é um ato de terror. Essa desatenção tem um custo. Ela provoca um encorajamento dos bandidos, que usam a arma não para assaltar, mas para demonstrar força e dissuadir as reações contrárias de quem estiver portando armas menores. Inclusive a polícia.
O bandido famoso só é temido, por causa de seu poder de fogo, a facção criminosa só é mais violenta por causa de seu poder de fogo, tudo isso baseado no armamento que possuem. Tirar os fuzis das ruas é uma medida urgente porque terá efeitos em cascata. A começar pela contenção desse encorajamento das gangues armadas. Devemos recompensar quem apreende um fuzil à altura da importância social que isso tem. Recompensar de verdade, com valores significativos: dez, quinze mil reais por fuzil apreendido. E à medida em que forem diminuindo as apreensões, aumentam-se os incentivos.
Esqueçamos as caçadas humanas para prender chefes de quadrilhas. Nossa próxima “estação de caça” deve ser aberta contra o fuzil. Sem dúvida será um incentivo à polícia. Andar armado com fuzil – rotina sobretudo nas comunidades dominadas por traficantes – não será um bom negócio. Assaltar à luz do dia utilizando-se fuzis, muito menos.
Com o tempo, se bem-sucedida, a inciativa fará com que a polícia retome sua posição privilegiada nos confrontos, nos quais será respeitada. Policiais são forçados a atuar como soldados de guerra. Daí é legítimo a recompensa para quem há muito tempo já faz mais do que lhe é cabível.
Adota-se uma política de segurança não contra as pessoas, mas contra o que, nas mãos de qualquer um, pode fazer um mal cada vez maior, ceifando vidas, mutilando corpos e tirando a paz, questão básica para uma sociedade civilizada.
Como a dita política de pacificação não funcionou, adotemos então uma política econômica da oferta e procura, estimulando a entrega dessas armas. Diminuindo-se o uso de fuzil, a população terá um alento. Os casos de balas perdidas diminuirão, pois o alcance descomunal dessas armas espalha o terror para muito além das regiões centrais dos conflitos armados. Policiais poderão cumprir seu dever correndo riscos menores.
Já podemos imaginar quantos benefícios virão, em não termos e sentirmos a todo tempo que um fuzil pode estar apontado em nossa direção. Quem sabe assim teremos um futuro que seja melhor para nossos filhos do que tem sido o presente para nós.
Raphael Mattos é advogado e Membro Efetivo do TRE/RJ